Frederico Silva Hoffmann[1]
INTRODUÇÃO
A contratação de mão de obra pela Administração Pública por meio de empresas terceirizadas é prática consolidada no Brasil, especialmente diante da limitação orçamentária, da carência de concursos públicos e da busca por maior eficiência na prestação de serviços. Contudo, essa modalidade de contratação frequentemente gera dúvidas quanto à responsabilidade do poder público pelas obrigações trabalhistas inadimplidas pelas empresas prestadoras de serviços.
O julgamento do Tema 1118 da Repercussão Geral pelo Supremo Tribunal Federal (STF) tratou exatamente dessa questão: se o poder público pode ser responsabilizado de forma automática pelas verbas trabalhistas devidas por empresas contratadas para prestação de serviços terceirizados. A decisão reafirma uma linha já traçada anteriormente na ADC 16 e no Tema 246 (RE 760.931), mas agora com efeitos mais amplos e vinculantes.
Neste artigo, analisaremos a tese fixada no Tema 1118, seus fundamentos e as repercussões para os trabalhadores e para a atuação da Justiça do Trabalho.
A TESE FIXADA NO TEMA 1118
O STF fixou a seguinte tese:
“A administração pública não pode ser responsabilizada automaticamente pelos encargos trabalhistas inadimplidos por empresas contratadas para prestação de serviços. A responsabilização somente é possível se for comprovada falha na fiscalização do cumprimento das obrigações trabalhistas.”
A decisão delimita, portanto, a responsabilidade subsidiária do ente público, afastando sua presunção automática e impondo à parte autora (empregado, sindicato ou Ministério Público) o ônus de comprovar que houve negligência por parte da Administração na fiscalização da empresa terceirizada.
FUNDAMENTOS DA DECISÃO
A decisão do Supremo Tribunal Federal no Tema 1118 está fundamentada em análises prévias de temas relacionados, a Corte reafirmou precedentes já consolidados, como a Ação Declaratória de Constitucionalidade (ADC) nº 16 e o Recurso Extraordinário 760.931, correspondente ao Tema 246 da repercussão geral, nos quais se reconheceu a constitucionalidade do artigo 71, § 1º, da Lei nº 8.666/1993, bem como do artigo 121, § 1º, da nova Lei de Licitações (Lei nº 14.133/2021). Esses dispositivos estabelecem, em essência, que a inadimplência de obrigações trabalhistas por parte da empresa contratada não transfere automaticamente ao poder público a responsabilidade pelo pagamento dessas verbas.
Com base nessa premissa, o STF esclareceu que não se pode presumir a culpa da Administração Pública pela simples existência de inadimplemento trabalhista. A Corte entendeu que o ônus da prova acerca da eventual falha na fiscalização recai sobre a parte autora da ação — seja o trabalhador, o sindicato ou o Ministério Público. Isso significa que a mera ausência de provas apresentadas pela Administração não gera, por si só, a sua responsabilização. Para tanto, é necessário que o autor da ação demonstre, de forma concreta, que houve omissão fiscalizatória, caracterizada pela negligência administrativa.
Essa negligência, por sua vez, estará configurada quando houver prova de que a Administração foi formalmente notificada acerca da inadimplência por parte da empresa terceirizada, e mesmo assim deixou de adotar providências mínimas para saná-la. A notificação pode ser realizada por meio de canais formais ou informais, sendo válidas comunicações feitas por trabalhadores, sindicatos, órgãos públicos, Ministério Público do Trabalho, Defensoria Pública ou qualquer outro meio que assegure a ciência da Administração sobre os fatos.
Ademais, a decisão do Supremo reforça deveres específicos da Administração Pública em contratos de terceirização, os quais não se restringem à mera fiscalização genérica. Nos termos da Lei nº 6.019/1974, especialmente após a reforma trabalhista, a Administração tem a obrigação de garantir um ambiente de trabalho seguro e saudável para os terceirizados que prestam serviços em suas dependências ou em locais determinados contratualmente, conforme prevê o artigo 5º-A, § 3º. Ainda, deve exigir das empresas contratadas a comprovação de capital social mínimo proporcional ao número de empregados (art. 4º-B) e adotar medidas concretas para prevenir o descumprimento de obrigações trabalhistas, como condicionar o pagamento das faturas mensais à apresentação de prova de quitação das obrigações trabalhistas do mês anterior (art. 121, § 3º, da Lei nº 14.133/2021).
REPERCUSSÕES PARA OS TRABALHADORES
Na prática, o julgamento do Tema 1118 impõe novos desafios processuais aos trabalhadores terceirizados. Até então, muitas decisões da Justiça do Trabalho presumiam que, em caso de inadimplência da empresa prestadora de serviços, o ente público contratante deveria ser responsabilizado de forma subsidiária, salvo se provasse que fiscalizou adequadamente o contrato.
Agora, esse paradigma se inverte. O trabalhador que pretenda responsabilizar o poder público terá que apresentar provas concretas de que houve falha na fiscalização. Isso inclui, por exemplo, a apresentação de notificações formais ignoradas ou a demonstração de que a Administração teve ciência da irregularidade e nada fez.
Um dos principais desafios impostos pela decisão diz respeito à hipossuficiência do trabalhador, que, muitas vezes, não possui meios técnicos, jurídicos ou financeiros para produzir provas robustas da falha de fiscalização por parte da Administração Pública. Ao transferir esse ônus probatório ao empregado, ainda que em nome da segurança jurídica nos contratos administrativos, corre-se o risco de desproteger justamente a parte mais vulnerável da relação trabalhista, o que pode dificultar o acesso efetivo à reparação de direitos violados.
Por outro lado, a decisão não impede que, diante de conduta omissiva devidamente demonstrada, a Justiça do Trabalho responsabilize subsidiariamente o ente público, como forma de assegurar a efetividade do direito ao salário e às verbas rescisórias.
Além disso, o julgamento reforça o papel dos sindicatos, do Ministério Público do Trabalho e da Defensoria Pública como agentes fiscalizadores e notificadores da Administração Pública. Sua atuação passa a ser fundamental para criar os elementos de prova necessários à responsabilização do poder público.
IMPACTOS NA JUSTIÇA DO TRABALHO
Para os magistrados e operadores do Direito do Trabalho, o Tema 1118 representa uma mudança sensível no tratamento das ações envolvendo terceirizados do serviço público. A análise de cada caso exigirá maior rigor probatório e poderá resultar em uma diminuição das condenações automáticas contra os entes públicos.
Contudo, a Justiça do Trabalho permanece com competência para examinar a existência ou não de falha na fiscalização e julgar a conduta administrativa. A decisão do STF não retira da Justiça do Trabalho sua atribuição constitucional (art. 114 da CF) para processar e julgar essas demandas. Apenas redefine os critérios de responsabilização, com foco no respeito aos princípios constitucionais do contraditório e da legalidade administrativa.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O julgamento do Tema 1118 pelo STF representa um marco na delimitação da responsabilidade da Administração Pública em contratos de terceirização. Ao afastar a responsabilização automática, a Corte impõe um ônus probatório maior aos trabalhadores, mas também reforça a necessidade de atuação diligente da Administração.
A decisão estimula o poder público a aprimorar seus mecanismos de fiscalização e acompanhamento contratual, ao mesmo tempo em que demanda do trabalhador e de seus representantes atuação mais estratégica e fundamentada. A Justiça do Trabalho, por sua vez, permanece como espaço legítimo de análise da conduta administrativa, preservando o equilíbrio entre a proteção social e a responsabilidade institucional.
[1] Graduado em Direito pela Faculdade de Direito de Curitiba. Pós-Graduado em Direito Trabalho e Direito Previdenciário na Atualidade, pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, PUC Minas, Brasil. Pós-graduado em Direito Trabalho e Processo do Trabalho, pela Universidade Estácio de Sá, UNESA, Brasil. Pós-graduado em EAD e Novas Tecnologias, pela Faculdade Educacional da Lapa, FAEL, Brasil. Mestre em Cultura Jurídica: Segurança, Justiça e Direito, pela Universidade de Girona, UDG, Espanha. Doutorando em Direito do Trabalho, pela Universidade de Buenos Aires, UBA, Argentina. Membro da Comissão de Direito do Trabalho da OAB/PR (Gestão 2025-2027). Membro da Comissão de Compliance e Governança Jurídica da OAB/PR (Gestão 2025-2027). Advogado e sócio da Oliveira, Hoffmann & Marinoski – Advogados Associados.